Pilhas de boletins de ocorrência, equipamentos obsoletos e equipes insuficientes são alguns dos problemas que afetam as investigações. 

Segundo Sindicato, precariedade impacta no trabalho de investigação
Segundo Sindicato, precariedade impacta no trabalho de investigação Fabíola Perez/R7

Sistema obsoleto e lento para registrar boletins de ocorrência, rádios sem funcionar, veículos insuficientes. Muito além desses problemas, percebidos a olho nu no 33º DP (Pirituba), na zona oeste de São Paulo, outras condições de precariedade impactam negativamente no trabalho de investigação da Polícia Civil de São Paulo.

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Ao chegar na delegacia de Pirituba, a reportagem do R7 aguarda alguns minutos até ser atendida pela delegada responsável. O motivo é que ela está atendendo uma senhora que relata ter sido estuprada. “Acabei tendo que escolher investigar esse caso porque a própria vítima deu indícios de quem seria o suspeito”, diz Juliana Ribeiro. “Mas, aqui atendemos muitos casos de roubos e furtos da região.”

Segundo ela, nem 10% dos boletins de ocorrência registrados no DP chegam a ser investigados e esclarecidos. “Temos somente oito policiais para fazer tudo: investigar, fazer funções operacionais e levar e trazer presos de audiências de custódia.”

Arquivos e carceragem em péssimas condições – Fabíola Perez/R7

Outro problema que afeta o dia a dia da Polícia Civil, segundo a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, Raquel Gallinati, é o envelhecimento da instituição e a falta de funcionários. “É um trabalho que provoca altos índices de desgaste psicológico, tem pessoas aqui que estão há anos na carreira, mas não chegam novos profissionais para atuar no lugar”, diz.

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A delegada Juliana aponta falhas no sistema utilizado para registrar boletins de ocorrência. “É um sistema muito velho, que não dá conta da quantidade de demandas que surgem no dia a dia.” Além disso, rádios que servem para policiais se comunicarem entre si durante os trajetos foram flagrados sem funcionar. “Os policiais são obrigados a usar celulares e, com isso, deixam de comunicar todos os colegas de uma só vez.”

Sofá doado por família de vítima de homicídio – Fabíola Perez/R7

No segundo andar do DP, na sala da delegada, uma pilha empoeirada de boletins de ocorrência se acumula sobre sua mesa. “Por conta da falta de equipe, faço o trabalho de dois delegados.” Ao lado, o sofá que decora a sala da policial é, segundo Juliana, doação de uma família de uma garota vítima de homicídio, caso investigado pela delegacia.

Em outras delegacias visitadas pela reportagem, problemas decorrentes da faixa etária dos policiais também foram relatados. Em um dos DPs, localizado no bairro de A.E. Carvalho, zona leste de São Paulo, que tem como principal atividade o combate ao tráfico de drogas no entorno, a média etária dos policiais que atuam nos casos é de 65 anos. Isso compromete, por exemplo, operações em que sejam necessários esforços físicos da equipe.

Precariedade na Polícia Civil

O cenário flagrado em algumas delegacias é, segundo especialistas em segurança pública, recorrente em São Paulo. De acordo com a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, mais de 90% das delegacias enfrentam os mesmos problemas de precariedade.

Para o professor da Fundação Getúlio Vargas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani, o problema é ainda maior. “Nos últimos 20 anos, há um sucateamento da Polícia Civil. O governo não tem investido na renovação dos quadros e não tem colaborado para que reduzir a burocratização do trabalho policial”, diz.

Segundo ele, existe um contingenciamento da verba destinada à Polícia Civil. “O dinheiro não consegue ser utilizado para resolver os problemas do dia a dia. O governo não cuida da polícia de invetigação”, diz.

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O gerente da área de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, afirma que não apenas questões referentes à infraestrutura afetam o trabalho de investigação da polícia. “Há escrivões de polícia levando trabalho para casa”, diz. Apesar da sobrecarga de atividades, segundo ele, a Polícia Civil tem 35% de cargos sem reposição. “Isso impacta desde o atendimento ao cidadão até os esclarecimentos do crime.”

“Não é possível fazer segurança pública somente com policiamento ostensivo. O sentimento de impunidade vem do sucateamento da polícia. E a própria instituição tem sido incapaz de apresentar indicadores para que seu trabalho seja avaliado”, afirma Langeani.

De acordo com dados levantamdos pelo instituto, houve uma queda no orçamento da segurança pública destinado à Polícia Civil. No primeiro ano do governo Alckmin, 21% do orçamento da segurança era destinado à instituição. Hoje, são 19%.

Segundo Langeani, as delegacias enfrentam problemas básicos, internet com velocidade abaixo da necessária para investigações e sistemas incompatíveis. O Sou da Paz realizou um levantamento sobre as propostas para a segurança pública do Estado, entre elas, a necessidade de modernizar a Polícia Civil.

Equipamento quebrado: rádio comunicador de viatura não funciona – Fabíola Perez/R7

Orçamento e gestão

Outro problema da Polícia Civil, apontado por especialistas, é a falta de capacidade de gestão. Em visita às delegacias, a reportagem do R7 conversou com delegados que explicam que, quando o DP tem algum problema de infraestrutura, a necessidade deve ser informada a uma unidade gestora, que deve providenciar uma solução. Isso, porém, dependeria da pró-atividade dos delegados responsáveis.

Segundo outro levantamento do Instituto Sou da Paz, a taxa de execução da Polícia Militar é 80% enquanto que da Civil é de 50%. “Não se pode deixar de olhar para essa falta de capacidade de gestão”, afirma Langeani. Fontes ligadas ao Sindicato dos Delegados da Polícia Civil de São Paulo afirmaram que há um contingenciamento de recursos de forma velada.

Outro lado

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou, por meio de nota, que o Dipol (Departamento de Inteligência da Polícia Civil) que “estão sendo ultimadas as providências objetivando instruir o processo licitatório para a contratação de manutenção do sistema de radiocomunicação da Polícia Civil de São Paulo, visando solucionar eventuais instabilidades de sinal em determinadas regiões.”

Em relação ao sistema RDO, utilizado para registrar boletins de ocorrência, a Polícia Civil afirma que “o programa não é antigo, sendo de dezembro do ano passado, portanto, modernizado.” Segundo a SSP, eventuais falhas ou quedas pontuais nos sistemas são comunicadas aos órgãos responsáveis para as devidas providências.

“O governo segue investindo no reforço e na modernização do efetivo policial. Em 2017, mais de R$ 18 milhões foram repassados aos cofres da Polícia Civil para modernização de 120 delegacias e 1.240 novos policiais foram empossados, aprovados nos concursos anteriores”, declarou o órgão em nota.

“Está em andamento concurso para seleção de mais 2.750 policiais, sendo 250 vagas para delegados, 600 investigadores, 800 escrivães, 300 agentes de telecomunicações, 200 papiloscopistas, 400 agentes policiais e 200 auxiliares de papiloscopistas. Todos com inscrições encerradas e as provas preambulares já realizadas. Os policiais serão distribuídos para todo o Estado após término do curso.”

Fonte R7