
Relatos de perseguição, negativas de férias e acúmulo de funções na Seccional de Itanhaém, revelam a precarização das condições de trabalho enfrentadas por policiais civis paulistas
Novas denúncias vindas da Seccional de Itanhaém expõem um cenário de perseguição interna, negativas injustificadas de férias e sobrecarga de trabalho entre os investigadores de polícia. As situações relatadas refletem uma realidade cada vez mais presente em diversas regiões do Estado de São Paulo, onde o déficit de efetivo e o acúmulo de funções têm levado os servidores à exaustão.
Segundo relatos recebidos pelo SIPESP, o investigador-chefe da Seccional de Itanhaém estaria se recusando a autorizar pedidos de férias sob alegações inconsistentes. Os pedidos são negados com o argumento de que o texto do requerimento estaria incorreto, embora o modelo utilizado seja o mesmo padronizado e disponível nos computadores da unidade.
Apurações apontam que as solicitações têm sido indeferidas sob o argumento de que o texto do requerimento estaria incorreto — mesmo sendo o modelo padronizado e amplamente utilizado na instituição. O caso, segundo os servidores, comprova a perseguição interna. Além disso, há relatos de que é necessário levar pessoalmente o documento até a Seccional para colher assinaturas, o que aumenta a burocracia.
“Ainda bem que tem alguém olhando por nós”, desabafou outro servidor, em áudio encaminhado diretamente ao SIPESP.
Férias fracionadas e falta de efetivo agravam situação
Os policiais também denunciam que passaram a ter o direito às férias restringido. Antes era possível tirar 30 dias consecutivos, mas agora o período foi limitado a 15 dias. Existem delegacias que operam apenas com duas equipes de investigadores — ou seja, quatro policiais — para atender uma área com mais de 300 mil habitantes, o que corresponde a um policial para um grupo de 75 mil habitantes.
A sobrecarga é tamanha que muitos policiais acumulam férias há anos. Com a determinação recente da administração para que as férias sejam tiradas dentro do mesmo exercício, o problema se agravou. Foi criada uma regra de fracionamento em que o servidor deve tirar 15 dias de um período vencido e 15 dias do período vigente, por exemplo: se o policial está com férias acumuladas desde 2022, no ano de 2025 ele terá de tirar dentro do mesmo ano 15 dias referentes ao ano de 2022, mais 15 dias referentes ao ano de 2025 e, antes de 31 de dezembro, os outros 15 dias correspondentes a 2025.
“Negar férias só poderia ocorrer por interesse da administração — e, nesse caso, por falta de efetivo. O que não pode é justificar o indeferimento por causa de um modelo de documento”, pontuou o departamento jurídico do SIPESP.
Investigadores acumulam funções de escrivães e plantonistas
A falta de efetivo também tem provocado desvio de função. Em muitas unidades, os investigadores são obrigados a registrar boletins de ocorrência por ausência de escrivães. Ainda que exista uma portaria da Delegacia-Geral autorizando o procedimento, os servidores afirmam que a prática compromete a qualidade das investigações e aumenta a sobrecarga.
Altos índices de não elucidação de crimes
É de senso comum que a investigação demanda tempo e dedicação. Se o investigador não agir no momento da comunicação do crime, indícios cruciais para a elucidação do crime podem se perder, afinal, as primeiras horas após o crime são importantíssimas para o sucesso de uma investigação – como em casos de crimes contra a vida, os crimes de latrocínio (roubo seguido de morte) e roubos de carga.
Sem tempo hábil para se dedicar aos casos, cresce o número de crimes sem elucidação, o que, segundo os servidores, é reflexo direto da sobrecarga e da falta de estrutura adequada. A Polícia Civil de São Paulo dispõe de um serviço que tem auxiliado e muito os investigadores na elucidação de crimes, principalmente crimes patrimoniais. No entanto, devido à falta de efetivo, uma grande parte do Estado não pode ser atendido por este serviço.
Cobrança por resultados sem condições de trabalho
Apesar das dificuldades, a administração continua cobrando altos índices de produtividade. Junte a isso o fato da vítima, de forma esmagadora, afirmar que não tem condições de reconhecer seu roubador, por exemplo. Neste caso, como seria possível um investigador elucidar um crime e com isso baixar os índices de criminalidade exigidos pelo Governo do Estado?
A Polícia Civil de São Paulo, cuja atribuição é atuar na investigação dos crimes após a ocorrência dos fatos — enquanto a prevenção cabe à Polícia Militar —, tem sido alvo de cobranças constantes por parte do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Segurança Pública, que exige o aumento no índice de elucidação de crimes patrimoniais. O SIPESP questiona: como um investigador poderá esclarecer um roubo ocorrido em via pública sem acesso a imagens, sem descrição do veículo utilizado, sem testemunhas, sem informações sobre o(s) autor(es) e, sobretudo, quando a própria vítima afirma não ter condições de reconhecer o criminoso?
“A administração assedia o delegado, o chefe de investigação, ameaça trocá-los de delegacia caso esses crimes não sejam elucidados”, diz a denúncia.
Os investigadores ressaltam que a cobrança desconsidera a realidade enfrentada nas delegacias, onde há falta de pessoal, excesso de demanda e escassez de recursos, resultando em investigadores sobrecarregados, fazendo plantão, registrando ocorrências e tentando investigar, tudo ao mesmo tempo.
“É humanamente impossível manter produtividade nessas condições”, completou outro policial.
A posição do SIPESP
O Sindicato dos Investigadores de Polícia do Estado de São Paulo (SIPESP), o único que tem legalidade para representar os Investigadores de Polícia do Estado de São Paulo, acompanha de perto as denúncias referentes às delegacias que compõem a Seccional de Itanhaém – e que estão se estendendo com força pelo estado – e reforça que continuará ouvindo os servidores, consolidando as informações e encaminhando relatórios detalhados às autoridades responsáveis.
O sindicato destaca que casos como esse não são isolados e refletem a precarização das condições de trabalho da Polícia Civil em todo o Estado. A entidade reitera seu compromisso em defender os direitos dos policiais civis e cobrar providências da administração pública para garantir respeito, condições dignas e valorização da categoria.
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