Alta de 23% em latrocínios pode estar relacionada à pandemia, crise econômica, perda de renda e falta de fiscalização de armas

Os latrocínios, roubos seguidos de morte, cresceram 23% em relação ao mesmo período do ano passado, passando de 13 para 16 casos no estado de São Paulo. O dado faz parte do último balanço divulgado pela SSP (Secretaria de Segurança Pública) em maio.

Para o sociólogo e coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, Rafael Rocha, esse aumento pode ter sido causado pelo afrouxamento das regras sanitárias contra a Covid-19. No ano passado, nesse mesmo período, a doença registrava picos de contaminação e, por isso, a circulação de pessoas na rua era menor.

Outros fatores como crise econômica, níveis de desigualdade no país e perda de renda dos brasileiros durante a pandemia também podem ser causa indireta desse aumento, na opinião do sociólogo.

Ainda segundo Rafael, os latrocínios são “roubos que dão errado” pelo fato de que tanto o assaltante quanto a vítima ficam nervosos no momento da ação e, com isso, qualquer reação pode ser fatal. Algumas vezes, a ação do assaltante não se concretiza, mas reagir a uma abordagem acarreta diversos riscos.

Mais do que estatísticas, esses números representam pessoas que tiveram sua vida interrompida por atos violentos que poderiam ter sido evitados caso não tivessem reagido, mas, sobretudo, se pudessem ter contado com políticas públicas de segurança por parte do Estado.

Em entrevista ao R7, o delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Nico Gonçalves, recomendou que as pessoas não reajam em caso de assalto. “Bem material é bom deixar levar porque a gente conquista depois, mas é preciso prezar pela vida”, disse. Ele afirma, ainda, que a polícia tem trabalhado e realizado operações todos os dias para diminuir a taxa de criminalidade na maior metrópole brasileira. “É um desafio muito grande, mas aos poucos vamos entregando os resultados.”

Circulação de armas

Apesar dos esforços policiais, o coordenador de projetos do Sou da Paz afirma que, mais do que realizar operações e patrulhamento, as autoridades precisam ter um controle maior das armas que circulam, não apenas em São Paulo, mas em todo o país. Ele disse ainda que o aumento nos números de venda de munições de 108% e de 333% nos registros de armas para CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas de fogo) entre os anos de 2018 e 2021 é preocupante. 

Rocha explica que, mesmo quando uma pessoa tem autorização para porte de armas, há diversos casos em que elas são desviadas para o crime. “Há necessidade de ter um controle maior sobre a circulação de armas de fogo no estado. Notamos um aumento de casos de roubos de arma e até desvios, então é preciso fiscalizar melhor.”

Foi o que ocorreu com Acxel Gabriel de Holanda, de 23 anos. Ele tinha porte ilegal de armas e, durante uma tentativa de assalto, matou o jovem Renan Loureiro, de 20 anos, que caminhava de mãos dadas com a namorada no momento do crime em uma rua no bairro do Jabaquara, zona sul de São Paulo, em abril deste ano.

Acxel se passava por entregador de alimentos quando abordou o casal. A vítima chegou a dar os pertences, mas, ao tentar defender a namorada, foi morto pelo assaltante, preso três dias depois. Para o chefe da Polícia Civil, Renan “morreu como herói, mas sua história poderia ser contada de uma maneira diferente se não tivesse reagido”.

Reação das vítimas

Apesar dos riscos, muitas pessoas, motivadas por sentimentos de revolta ou impotência, ainda acreditam que reagir a um assalto pode impedir o crime, mas os casos demonstram que enfrentar um suspeito não evita o delito e pode ter consequências fatais. 

“Eu não reajo e simplesmente deixo o cara levar um celular que parcelei em 12 vezes e ainda não terminei de pagar?”, questionou a atendente Luciana Almeida, assaltada há três semanas em um ponto de ônibus no bairro de Itaquera, na zona leste de São Paulo.

Luciana conta que ia para o trabalho, por volta de 6h15 da manhã, quando foi surpreendida por um motoqueiro, de capacete, que mostrou uma arma e a obrigou a entregar o celular. “Ele não quis mais nada, não pediu minha bolsa nem carteira, só o celular e era a coisa que eu menos queria entregar, tinha comprado há menos de sete meses, nem terminei as parcelas”, disse. Ela lembra, ainda, que sentiu vontade de correr, mas como não havia ninguém na rua, teve medo de ser baleada.

A farmacêutica Roberta Vieira contou ao R7 que reagiu a dois assaltos, um em Itatiba, no interior de São Paulo, e o outro na capital paulista. No primeiro, ela relatou que voltava do trabalho a pé e na bolsa tinha a segunda parcela do décimo terceiro, que recebia em dinheiro, o celular, que tinha comprado havia pouco tempo, e um guarda-chuva na mão. “Briguei com ele, segurei a bolsa, peguei o guarda-chuva e quebrei nele”, disse.

A tentativa de autodefesa não impediu Roberta de sair ferida. Ela conta que o homem a derrubou no chão, desferiu golpes e, mesmo assim, ela continuou agarrada na bolsa. O caso ocorreu em frente a um mercado e, ao notar que um casal se aproximava, o suspeito fugiu.

A segunda vez aconteceu no bairro da Vila Penteado, na zona norte de São Paulo, enquanto Roberta ia para o trabalho, por volta de 5h30. Dessa vez, foram dois suspeitos em uma moto e um deles estava armado. “O garupa desceu e pediu insistentemente que eu passasse a bolsa, aí grudei nela e disse que não. Depois ele colocou a arma no meu peito, eu comecei a gritar, fui andando e empurrando ele. Ele viu que eu não ia entregar e saiu correndo”, relatou.

A farmacêutica disse, ainda, que o medo de morrer só veio depois. Hoje, Roberta não aconselha ninguém a reagir. “Quando cheguei ao terminal de ônibus, encontrei uma colega e desabei, comecei a chorar, sem acreditar que tinha acontecido aquilo.”

O chefe da Polícia Civil afirmou que prisões, que ganharam grande dimensão no estado, como as de AcxelPaulo Cupertino e do homem que matou um enfermeiro após uma reação a um assalto na Mooca, são respostas à população.

Outros crimes também cresceram em SP

Assim como os latrocínios, outros crimes cresceram em São Paulo, quando comparados aos dados de abril do ano passado, sendo que os homicídios dolosos (com intenção de matar) tiveram aumento de 6,9%, roubos 14,9%, furtos 37,8%, e estupro 7,1%.

Em abril, o governo de São Paulo decidiu mudar a gestão das Polícias Civil e Militar. O coronel Ronaldo Miguel Vieira, que estava à frente do Batalhão de Choque, foi nomeadocomandante-geral da Polícia Militare o delegado-geral da Polícia Civil passou a ser Nico Gonçalves, que, até então, era responsável pelo Dope (Departamento de Operações Policiais Estratégicas).

Os novos comandantes vêm de tropas especiais e operacionais das polícias e, logo após a troca de cargo, uma série de operações foi realizada por todo o estado. Essas ações, como a “Sufoco”, que tem como objetivo prender suspeitos que se passam por entregadores para cometer crimes, têm sido criticadas por especialistas em segurança pública.

No dia 27 de maio, entregadores de aplicativo se manifestaram contra a operação. Segundo eles, as blitze realizadas pela polícia ocorrem em horários em que não há incidência de roubos, além de provocar demora na entrega do produto aos clientes pois os entregadores “são parados a cada 100 metros”, disse um dos manifestantes.

O objetivo da polícia, segundo o delegado-geral, é identificar suspeitos disfarçados de trabalhadores. A operação é composta de 3.000 policiais militares e 500 civis a mais nas ruas. Não houve contratações, segundo Nico, pois os próprios agentes, após o horário fixo do trabalho, fazem um “bico” para a corporação.

Superlotação em presídios

De acordo com dados divulgados pelo Governo do Estado de São Paulo, o número de presos que ingressaram no sistema prisional estadual em maio subiu 17% na comparação com abril. O período coincide com o começo da operação Sufoco, no dia 4 de maio.

Em 33 dias, foram presas 4.000 pessoas por tráfico de drogas, tráfico internacional de armas, roubo, receptação, fraude em postos de combustíveis e outros crimes. As forças de segurança também apreenderam 21,1 toneladas de drogas, 240 armas ilegais e 9.900 veículos.

Esse fato revela um outro problema social: a superlotação nas cadeias do estado. Um estudo feito pela Defensoria Pública do estado revelou que, até abril deste ano, das 27 unidades prisionais vistoriadas, 81,48% enfrentavam superlotação e tinham detentos que estão em condições subumanas.


Fonte: R7
Link da matéria: https://noticias.r7.com/sao-paulo/aumento-no-numero-de-roubos-seguidos-de-morte-em-sp-acende-alerta-para-reacao-das-vitimas-13062022