O texto-base, que ainda está sendo debatido, causa frisson e a divisão entre aqueles que aprovam e os que não aprovam a questão da reestruturação das carreiras é latente
Nesta quarta-feira, 27 de março, o auditório Paulo Kobayashi, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), recebeu mais de 200 pessoas – entre autoridades, representantes de classe e policiais civis – para uma Audiência Pública onde foram discutidos aspectos da Lei Orgânica Nacional e a Reestruturação da Polícia Civil do Estado de São Paulo (Lei nº 14.735, de 23 de novembro de 2023).
O evento, que integra a Frente Parlamentar em Defesa da Polícia Civil, foi encabeçado pelo Deputado Reis, reuniu entidades como o SIPESP, a ADEPOL-BR, o SEPESP, a ADPESP, o SINDPESP, a APPESP, o SINPOLSAN, a AMELESP, a AEPESP, a ASPCESP, a SINTELPOL e a Polícia Civil/DGPAD.
A mesa foi integrada pelo deputado Reis, o presidente da ADEPOL-BR, Rodolfo Laterza e pelo delegado geral adjunto, Gilson Cezar Pereira da Silveira.
“Esse evento é importante para todos os colegas, que podem ter um melhor acesso aos detalhes da nova Lei Orgânica. No caso de São Paulo, queremos saber o que o Governo está pensando sobre isso”, explicou Reis, lembrando de antigas demandas que ainda esperam por respostas. “Existe, atualmente, um déficit de cerca de 17 mil profissionais na Polícia Civil paulista e isso tem sido objeto de cobranças do meu mandato junto ao Governo do Estado. São várias funções com falta de pessoal e isso prejudica muito as investigações. São delegacias que, às vezes, têm apenas um funcionário para atender toda a população. A carga é muito pesada”, comentou o parlamentar.
Análise da ADEPOL-BR
O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Rodolfo Laterza, apresentou slides com os principais direcionamentos e diretrizes sobre a Lei com relação à pacificação das instituições e também ressaltou a longa caminhada para a existência da Lei Orgânica Nacional.
“Essa lei custou uma extrema dedicação de homens e mulheres, é a nossa certidão de nascimento. Isso é algo que finalmente nos coloca como referência na Segurança Pública e serve para deixarmos de ser marginalizados nas estruturas dos estados. Por isso, é um dever moral de cada policial civil lutar pela aplicação dessa legislação, que ela não se transforme em uma letra morta de papel”, disse.
Laterza também valorizou a parceria com o Parlamento Paulista. “Esse evento é fundamental porque ele trata da clareza e da explicação detalhada da Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil. É uma legislação que tem muitos dispositivos autoaplicáveis, que precisam já ser cumpridos. Este debate também traz a necessidade do Estado de São Paulo de fazer reforços de investimentos, reorganização e principalmente a valorização das categorias, que se faz muito necessário”, comentou.
O presidente da ADEPOL-BR foi categórico ao defender as atribuições da Polícia Civil, além seus direitos prioritários e imediatos pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pelo Poder Judiciário e pelos órgãos de perícia oficial de natureza criminal, de questões como garantir o porte e a possibilidade de doação de arma de fogo para policiais civis aposentados, falou sobre a aposentadoria especial, defendeu a pensão vitalícia, um Conselho Superior de PC presidido pelo delegado-geral e integrado por policiais e falou sobre o cargo de oficial investigador de polícia.
“Todos os cargos da Polícia Civil têm função técnico-científica. Portanto, invocando o Código de Processo Penal, que na ausência de peritos oficiais podem ser denominados peritos ah docs que tenham habilitação específica e técnico-científica, agora fica muito mais seguro. Até o delegado poderá se investir na prerrogativa de ser perito, desde que ele tenha habilitação específica, caso não tenha perícia oficial, claro. Todos os estados têm que fazer uma análise de adequação do cargo de escrivão – e demais cargos”, apontou.
Segundo a análise de Laterza, o cargo de investigador é uma decisão política de criação. “Porque o artigo 38 caput fala na hipótese da criação do cargo de oficial investigador e tem que o Estado decidir se vai criar esse cargo. Criado esse cargo, nós temos que fazer justamente uma análise de adequação dos cargos existentes. E aí pressupõe o Supremo Tribunal Federal três requisitos nesses casos, mesmo requisito de investidura, ou seja, tem que ser nível superior; similitude de funções; e equivalência de atribuições. A lei dá a obrigatoriedade da fusão nesses termos, para trazer segurança jurídica, transformação, redenominação ou aproveitamento”, explicou.
O ponto de vista da DGPAD
O delegado geral adjunto, Gilson Cezar Pereira da Silveira, argumentou que a Lei Orgânica Nacional é, na verdade, uma plataforma para reestruturar o sistema como um todo. “O nosso modelo administrativo está esgotado. A instituição policial deve rever, propor e defender essas modificações. Não é apenas essa lei que vai resolver os nossos problemas. Vai resolver muitos, mas nem todos”, comentou.
O grupo quer iniciar um debate para que seja possível elaborar uma lei orgânica adequada. “E, ao mesmo tempo, discutir a nossa estrutura organizacional, que não depende de lei, é por decreto. Têm distrito que tem 2 funcionários, delegado respondendo à distância, paga-se o GAT; mas não tem GAT para os operacionais. É um modelo que do nosso ponto de vista está esgotado. Precisamos reavivar o processo para uma nova visão institucional”, analisou Silveira.
De acordo com o delegado geral adjunto, para o próximo mês haverá uma decisão administrativa da forma como será iniciado o diálogo mais específico com as entidades. “O texto não foi fornecido a nenhuma entidade, embora tenham pedido, por razões que ainda estamos realizando algumas simulações. A parte inicial do projeto fala de critérios mínimos de estruturação a fim de evitar a proliferação de unidades. Vocês não imaginam a quantidade de pedido que chega para nós para a criação de departamentos. Não pode haver proliferação exagerada de unidades e ter como resultado perda da qualidade no nosso trabalho”, relatou.
Silveira lembrou dos custos para o funcionamento da polícia, cujo orçamento está em R$900 milhões para custeio. “Isso é muito dinheiro? Não é muito dinheiro. Não tem policial. Mas a contratação tem custo. Se olharmos para as expansões que são necessárias, manutenção, segurança, pátio, guincho, enfim, então temos que conviver com os recursos existentes e disponíveis”, lamentou. “Nós estamos tendo cuidado, não sei se o resultado será positivo, não sei se agradará a todos, mas é uma estrutura que está caminhando”.
Na questão dos cargos, o delegado geral adjunto reconhece a instabilidade entre a categoria, numa clara divisão daqueles que querem a unificação e daqueles que são contra esse processo. “Juntar ou não juntar escrivão com investigador? Tem questionamentos por todos os lados de todas as formas. É possível fazer transformação? Haverá ofensa ao princípio originário? Fizemos ensaios específicos da junção do escrivão e investigador, atraindo a figura do agente policial e de telecomunicações para enxugamos a estrutura definindo novas atribuições. Mas aí o escrivão vai investigar? Mas o investigador vai fazer atividade cartorária?”, indagou.
De acordo com Silveira, o intuito é dar à figura do novo policial civil uma atividade mais específica, respeitadas as atribuições originárias de um cargo. “Abre-se a opção para o policial antigo para que ele faça uma opção de fazer investigação sendo escrivão ou vice-versa. Caso não faça, você continua com as atribuições originárias do cargo. Mas para os novos policiais teremos uma visão distinta de aglutinação. Não é uma certeza, mas é um primeiro ponto de debate. Se isso não for consenso, se não der certo ou por vontade do governo, a atividade continua normalmente. O texto contém diversas simulações, especialmente nesses pontos. Porque 90% da Lei é autoaplicável”.
Durante audiência, Rebouças pede para analisar texto-base
Com a palavra, o presidente do SIPESP, João Batista Rebouças da Silva Neto, ressaltou a necessidade da análise desse texto-base pelas entidades de representação antes dos próximos passos junto ao governador.
“Por isso estamos aqui, para ouvir e para salientar que gostaríamos que esse documento fosse entregue para as categorias para juntos, analisarmos e definirmos o que é realmente é positivo ou não para todos nós”, sinalizou. “Reconhecemos a iniciativa do delegado geral adjunto pela disposição e interesse em ser tão transparente e esperamos que continue assim para que continuemos juntos na luta por uma polícia melhor e cada vez mais organizada”.
A previsão é de que em meados de maio seja possível que todas as entidades sejam atendidas no pedido do fornecimento do texto-base.
Assista o evento pelo canal da ALESP: https://www.youtube.com/live/QwoErKNjJFU?si=41UQ2UYtKnkHogZ5