Inquérito foi aberto para apurar denúncias de vazamentos em concursos para investigador e escrivão. Carreiras concentram 64% do déficit da corporação. Polícia Civil tem 30 dias para responder aos questionamentos da promotoria.

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Ministério Público investiga concursos

O Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito civil para apurar denúncias de irregularidades em dois concursos da Polícia Civil do estado. A investigação busca verificar indícios de vazamento de informações nos concursos para escrivão e investigador de polícia, entre outras fraudes.

O inquérito civil apura as alegações que constam de nove representações, oito com autores identificados e uma anônima. Segundo o promotor responsável pelo caso, José Carlos Blat, se forem comprovadas irregularidades, a Promotoria do Patrimônio Público e Social entrará na Justiça com uma Ação Civil Pública, que, pode resultar na anulação do concurso.

Além disso, as pessoas responsáveis pelos vazamentos podem responder por improbidade administrativa e até sofrer processos na esfera criminal, se for verificado o favorecimento de candidatos e a divulgação de informações sigilosas, como questões do exame.

Empresa de ônibus teria oferecido transporte na data da prova antes que a Polícia Civil divulgasse o dia do exame. — Foto: Divulgação

O Ministério Público notificou a Polícia Civil na sexta-feira (19) e o órgão tem 30 dias para responder às questões. O promotor solicitou ao delegado-geral, Ruy Ferraz Fontes, esclarecimentos sobre dez diferentes pontos. O primeiro questionamento trata do suposto vazamento de informações acerca do concurso. Blat também pediu que lhe sejam enviadas respostas relacionadas, por exemplo, aos “critérios adotados para a fase oral” e a justificativas sobre “as questões relacionadas a assuntos não previstos no edital do concurso”.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo e a Polícia Civil informaram que não foram notificadas sobre a investigação.

G1 teve acesso a conversas de grupos de concurseiros no Whatsapp– parte dos prints acessados pela reportagem está no inquérito aberto pela promotoria. Os candidatos falam sobre o vazamento de informações pessoais dos inscritos e relatam suposto favorecimento a alguns candidatos durante a fase oral do concurso.

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Ministério Público investiga concursos

Para um candidato ao concurso de escrivão ouvido pelo G1, muitos concorrentes sabem de vazamentos de informações no andamento do concurso para escrivão, mas têm medo de denunciar as irregularidades. Ele conversou com a reportagem sob a condição de não ter a identidade revelada.

“Tem muito candidato que sabe dos vazamentos, mas que está com medo de falar porque tem medo da polícia, medo de ser perseguido depois”, relata.

A Polícia Civil do estado de São Paulo enfrenta dificuldades com o quadro reduzido de funcionários. Relatório de fiscalização do Tribunal de Contas de São Paulo, obtido com exclusividade pela GloboNews, aponta que a Polícia Civil de SP possui 8.821 agentes a menos do que o ideal. De acordo com o relatório, as oito carreiras da corporação possuíam um número de policiais 25% inferior ao ideal em 2018.

Desse déficit de 8.821 policiais, 64% são investigadores ou escrivães.

As duas carreiras têm, de um total de oito, a maior quantidade de profissionais na Polícia Civil do estado. De acordo com o relatório do TCE, dos 25.899 policiais que constituíam o efetivo total da corporação em 2018, 59% (15.184) eram investigadores (9.058) ou escrivães (6.126). Os números se referem ao ano de 2018.

Promotor José Carlos Blat — Foto: Reprodução/GloboNews
Vazamentos

Em entrevista exclusiva, o promotor José Carlos Blat disse que o inquérito civil foi instaurado para apurar ilegalidades, irregularidades e até mesmo supostos vazamentos de questões dos dois concursos.

Segundo o promotor, a investigação está em fase inicial e todas as pessoas que fizeram denúncias e enviaram manifestações ao MP-SP serão ouvidas.

“Caso fique evidenciado, ao final da investigação, que ocorreu ilegalidade ou até mesmo vazamento, nós podemos ajuizar uma ação civil de improbidade para anular o concurso e também responsabilizar os agentes públicos que participaram deste concurso”, diz José Carlos Blat, promotor do MP-SP.

“Neste primeiro momento nós oficiamos o delegado-geral da Polícia Civil, que é responsável pelo concurso, para que ele preste informações acerca daquilo que foi denunciado”, afirma.

“Vamos avaliar se houve efetivamente vazamento de questões antes da realização da prova, se as questões foram direcionadas aos candidatos, entre outras alegações, e a partir dos esclarecimentos do delegado nós daremos o andamento ao inquérito.”

O prazo para que a Polícia Civil se manifeste é de 30 dias porque, segundo Blat, o caso é de alta complexidade e, portanto, um prazo menor não seria suficiente para a corporação.

Para o promotor, dentre as nove denúncias enviadas ao MP, a mais grave seria a representação anônima que relata o vazamento de questões em uma das fases. As provas escritas e o exame oral, da segunda e quarta fases dos concursos, são aplicadas por integrantes da Polícia Civil.

“As demais representações, onde os candidatos se identificam, revelam questões de interesse individual, como o conteúdo da prova, o grau de dificuldade e a ausência de recurso para os reprovados. Mas tudo isso será objeto de uma investigação bastante serena e responsável afim de verificar se esses fatos são verídicos ou não”, afirma Blat.

Grupos de candidatos

Candidatos ao concurso para escrivão dizem que, na fase oral do exame, que é feita em auditório aberto aos outros concorrentes, os entrevistadores chegavam a perguntar quais temas a pessoa havia estudado.

“Para alguns candidatos, quando a pessoa errava, eles perguntavam até se ela não queria tentar de novo. Para outros era pergunta direto, era ‘não, sim, próximo’. Até o tom de voz mudava. Com algumas mulheres eles faziam brincadeiras, davam dicas, perguntavam até se a pessoa conhecia tal tema e, se dissesse que não estudou, mudavam o tema”, relata uma candidato ouvida pelo G1.

Em um dos grupos de WhatsApp uma candidata teria admitido que, durante seu exame oral, foi questionada pelo entrevistador se havia estudado determinado tema. Diante da negativa o examinador teria mudado o assunto da questão, pedindo para que a candidata falasse sobre o tema que ela dizia ter estudado.

Em grupo de concurseiros, candidato revela que foi perguntado pelo entrevistador se havia estudado determinado tema. — Foto: Reprodução

Também nos grupos de WhatsApp circulou um flyer de uma empresa de ônibus que oferecia transporte e hospedagem em São Paulo para a 2ª fase do concurso. No entanto, a propaganda teria sido veiculada entre o dia 30 de julho e 1º de agosto do ano passado, antes da publicação do edital de convocação para a 2ª fase, que ocorreu dia 4 de agosto.

“Tinha um pessoal de São José do Rio Preto entregando flyer com uma promoção de hotel e ônibus pra São Paulo, onde acontece a prova. Essa fase da prova ia ser dia 26 de agosto, mas ainda não tinha saído nada no Diário Oficial. Eu recebi o flyer antes da divulgação da data da segunda fase”, diz um candidato ouvido pelo G1.

Concurso da Polícia Civil

As irregularidades teriam ocorrido nos concursos para investigador de polícia e escrivão de polícia. O salário inicial para essas carreiras é de R$ 3.743,98, mas pode chegar a R$ 5.051,50 no último nível da profissão.

Os concursos têm cinco fases:

  1. Prova objetiva (múltipla escolha)
  2. Prova escrita
  3. Investigação social (comprovação de idoneidade e conduta escorreita)
  4. Exame oral
  5. Prova de títulos

A seleção para escrivão teve 27 mil inscritos e 800 vagas. A homologação deste concurso está em fase de finalização. No último sábado (20) foram publicadas as notas dos selecionados, que agora aguardam a homologação para serem, mais tarde, nomeados pela Polícia Civil.

Já o concurso para investigador de polícia ainda está em andamento. A última divulgação foi a convocação para o exame oral, feita por meio de publicação no Diário Oficial em 28 de maio. São 600 vagas para investigador e 38,9 mil inscritos.

Fonte: Patrícia Figueiredo e Léo Arcoverde, G1 SP e GloboNews
Link da matéria: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/07/24/ministerio-publico-de-sp-investiga-suposta-fraude-em-concursos-para-policia-civil.ghtml