Emenda parlamentar do vereador Delegado Palumbo (MDB) será usada para a compra de 10 fuzis e 25 carabinas para a Guarda Civil Metropolitana. Para especialistas, o armamento pesado é próprio de confrontos e não tem relação com a função comunitária e patrimonial que a GCM tem na Constituição Federal. GCM diz que armas serão usadas por equipe de operações especiais.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), publicou no Diário Oficial da última sexta-feira (30) um decreto em que libera o valor de R$ 400 mil para a compra de 10 fuzis e 25 carabinas para a Guarda Civil Metropolitana (GCM). O decreto, segundo o prefeito, acolhe uma emenda do vereador Delegado Palumbo (MDB), mesmo partido de Nunes.

Segundo a GCM, o processo de compra dessas armas deve demorar cerca de um mês e os policiais terão mais 15 dias de treinamento para o uso dos equipamentos.

Ao justificar a liberação da verba, Nunes disse que os valores são “para que a Guarda Civil tenha total condição de continuar dando atendimento à população de São Paulo”.

“Nós estamos falando de uma cidade de 12,5 milhões de habitantes, uma cidade maior que muitos estados, e a visão da Prefeitura de São Paulo tem que ser de acordo com a responsabilidade que é a sua população”, afirmou o prefeito na sexta (30).

Inicialmente, a Prefeitura de SP havia dita ao G1 que a verba seria usada para a compra de 20 fuzis e 10 carabinas, mas após a publicação da reportagem, a secretaria municipal de Segurança Urbana corrigiu a informação e divulgou outros números à TV Globo.

Levantamento feito em fevereiro deste ano pelo G1 revela que a Guarda Municipal usa armas de fogo em 19 capitais do Brasil. Em nove dessas cidades, a corporação começou a usar o equipamento há menos de 10 anos. É o caso, por exemplo, de Maceió e Fortaleza, que permitem as armas desde 2018. Em apenas quatro capitais, a corporação não maneja o equipamento: Macapá, Manaus, Recife e Rio de Janeiro.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) durante visita à sede do IOPE, da Guarda Civil Metropolitana (GCM), na sexta-feira (30) — Foto: Divulgação/Secom/PMSP

Críticas

A decisão do prefeito de autorizar esse tipo de armamento para guardas civis causou estranhamento entre os especialistas em Segurança Pública.

“Causa muito estranhamento o uso desse tipo de arma pela GCM, porque ele é característico de unidades muito bem treinadas da Polícia Militar e da Civil. Mesmo dentro dessas corporações, não é usado em ronda extensiva. São usadas por unidades de enfrentamento ao crime, não de prevenção, como é o papel constitucional das GCMs no Brasil”, disse o integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Ivan Marques.

Segundo ele, o uso de fuzis e carabinas por GCMs pode causar uma “falsa sensação de segurança e de que as coisas vão melhorar” e coloca em risco o próprio guarda municipal que porta esse tipo de arma.

“Com uso de armamento desse porte, a mensagem que passa é que a GCM vai partir para um papel de enfrentamento. Mesmo que isso aconteça, ela vai estar em desvantagem. O que só coloca em risco a vida do agente e desfigura totalmente a função primordial da guarda para a cidade, que é de prevenção, fiscalização e mediação de conflitos. Se isso se confirmar, há um desvirtuamento e estaremos dando muitos passos atrás. É um desperdício de dinheiro público e um desvio de função enorme dentro do conjunto de atores da Segurança Pública”, declarou.

Guarda Civil Metropolitana (GCM) da cidade de São Paulo — Foto: Marcelo Pereira/Secom/PMSP

Para a advogada Isabel Figueiredo, ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública, o uso de fuzis pela GCM não tem conexão com o papel constitucional da GCM na Segurança Pública.

“Olhando as últimas operações que a GMC de São Paulo tem participado, como o apoio à limpeza da Cracolândia, a remoção de moradores em áreas de risco ou a segurança de áreas pública, o uso de fuzil não tem nenhuma serventia. Não se entra na Cracolândia usando arma longa ou se faz controle de multidões. É um instrumento de mera ostentação, que não tem nenhuma conexão com o papel constitucional que a GCM tem, de polícia comunitária mais próxima da população na mediação de conflitos”, afirmou.

O que diz a GCM

Segundo a secretária municipal de Segurança Urbana, Elza Paulina de Souza, a compra do equipamento “está autorizada pela legislação federal 10.826/2003 e seus decretos reguladores”.

“Essas armas não serão utilizadas pelo efetivo normal. Somente pela equipe de Inspetoria de Operações Especiais – IOPE, que tem uma caraterística diferente das demais unidades da CGM. Eles terão treinamento e as armas só serão usadas em situações específicas”, afirmou a secretária por meio de nota.

Em entrevista à TV Globo, a Elza Paulino afirmou que o armamento será usado pela Inspetoria de Operações Especiais (IOPE) em ações na Cracolândia e em desocupações.

“[O IOPE] atua atualmente e rotineiramente nas ações da Cracolândia, em ações que tem manifestações que requer uma proteção maior do patrimônio público, em ações de desfazimento, em ações de desocupação. Quando nós temos o nosso serviço ordinário em alguma ação que ele [o guarda civil] não está conseguindo, até pelo poder de equipamento mesmo, e pelo seu treinamento, nós acionamos a IOPE […] para atuar especificamente nessas atividades”, afirmou a secretária.

Para Ivan Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o uso de fuzis na Cracolândia “é uma receita para o desastre”.

“As operações na Cracolândia são o exemplo óbvio desse tipo de situação que o fuzil não faz a menor diferença. Levar uma arma longa, pra uma situação como a Cracolândia é uma receita pro desastre. (…) A função da guarda é outra, é fazer mediação, ordenamento urbano, fiscalizações, guardar o patrimônio público. Não é enfrentar o crime, ainda mais um crime especializado que usa fuzis e armamento de alto potencial ofensivo”, afirmou.

A secretária municipal de Segurança Urbana, Elza Paulina de Souza, e o vereador Delegado Palumbo (MDB). — Foto: Montagem/G1/Divulgação

De acordo com o vereador Delegado Palumbo (MDB), autor da emenda parlamentar que liberou os R$ 400 mil, as novas armas vão “equiparar os guardas municipais aos criminosos que atuam na cidade”.

“O crime está usando fuzil, submetralhadora e pistolas. Não podemos fazer vistas grossas quanto esse fato. O IOPE é uma unidade de elite [da GCM], está sempre nas ruas de viatura, o que, por si só, já vira um ‘alvo’ para os criminosos que estejam, por exemplo, assaltando ou explodindo uma agência bancária”, afirmou.

“Em um eventual encontro com bandidos armados de fuzil, nada mais justo que eles tenham um equipamento a altura. Bandido não faz distinção de viatura, tampouco de equipe policial”, completou Palumbo.

Carros elétricos da GCM de São Paulo na frente do prédio da Prefeitura de SP, no viaduto do Chá, no Centro. — Foto: Divulgação/Leon Rodrigues/Secom/PMSP

A Secretaria de Segurança Urbana também informou que a compra de fuzis e carabinas “está cumprindo exatamente a indicação feita por meio de emenda parlamentar apresentada pelo o vereador Delegado Palumbo”.

“As emendas constituem uma prerrogativa dos parlamentares, não cabendo ao Executivo qualquer interferência”, disse a nota do órgão (veja íntegra abaixo).

Rumos da GCM

A advogada Isabel Figueiredo afirma que, ao liberar a compra de armamento pesado pela GCM, o prefeito Ricardo Nunes precisa esclarecer à população de São Paulo que rumos ele vai dar à corporação.

“Me parece um movimento político do prefeito ou do vereador que liberou a emenda, descolado do entendimento atual do papel da guarda na cidade. A sociedade precisa entender o que o executivo pensa ou quer com isso, se há intenção de mudar a forma de atuação ou é uma mera causalidade, descolada da política de segurança da cidade. Mas isso o prefeito precisa esclarecer e deixar claro para a sociedade”, disse.

“Em vários municípios do Brasil nós temos casos de prefeitos que resolveram transformar a GCM em ‘mini-PMs’, que fazem ronda ostensiva e deturpam totalmente o papel da guarda. Em São Paulo nós já temos uma Polícia Miliar grande, bem equipada e treinada para o confronto. Caso precise, o guarda municipal pode pedir apoio e será prontamente atendido. Não vejo como o fuzil vai acrescentar algo positivo nessa dinâmica”, afirmou Isabel Figueiredo.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), no Memorial da América Latina. — Foto: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

GCMs no Brasil

Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), feita pelo IBGE, apontou que a Guarda Municipal estava presente em 1 a cada 5 municípios no Brasil em 2019 – ou seja, 1.188 dos 5.570 cidades, o equivalente a 21,3%.

Dez anos antes, em 2009, o percentual era bem menor: 15,5% dos municípios tinham Guarda Municipal. Segundo o estudo, o aumento ocorreu principalmente em razão da adesão de cidades de Amazonas, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Alagoas e Rio de Janeiro.

A pesquisa mostra ainda que o percentual de municípios com a Guarda Municipal armada (grupo que abrange tanto as corporações que usavam apenas armas de fogo quanto as que adotavam modelo híbrido, com armas de fogo e não letais) subiu de 15,6% em 2014 para 22,4% em 2019.

Visita às instalações da Inspetoria de Operações Especiais (IOPE) da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São Paulo — Foto: Marcelo Pereira/Secom/PMSP

Apesar disso, a maior parte ainda é de municípios nos quais a Guarda Municipal usa apenas armas não letais (42,8%) ou não usa qualquer tipo de arma (34,9%).

O estudo lembra que a permissão para o porte de arma de fogo pela Guarda Municipal foi autorizado pelo Estatuto do Desarmamento para capitais, municípios com mais de 500 mil habitantes e também municípios com 50 mil a 500 mil habitantes, quando em serviço.

Escudos da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São Paulo — Foto: Marcelo Pereira/Secom/PMSP

Íntegra da nota da Prefeitura de SP

“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria de Segurança Urbana, informa que a Prefeitura está cumprindo exatamente a indicação feita por meio de emenda parlamentar apresentada pelo o vereador Delegado Palumbo. As emendas constituem uma prerrogativa dos parlamentares, não cabendo ao Executivo qualquer interferência. A emenda em questão destinou o valor de R$ 400 mil para aquisição de armamentos específico. O processo de compra será realizado pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana, que está autorizada pela legislação federal 10.826/2003 e seus decretos reguladores. A Secretaria Municipal de Segurança Urbana reafirma que as armas indicadas na emenda parlamentar não serão utilizadas pelo efetivo normal. Somente a equipe de Inspetoria de Operações Especiais (IOPE), que têm uma caraterística diferente das demais unidades da CGM, serão treinados e poderão usar esse armamento em situações especiais”.

Fonte: G1 – SP
Link da matéria: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/08/03/nunes-libera-r-400-mil-para-compra-de-fuzis-pela-gcm-especialistas-criticam-papel-da-guarda-esta-sendo-desvirtuado.ghtml